Palestra proferida na Câmara Municipal de Rosário do Sul - RS

Download da palestra proferida em 28/10 na Câmara Municipal de Rosário do do Sul - RS com o título "Como é possível que crianças, que representam o futuro do Brasil, busquem a satisfação de suas necessidades no lixão público?".

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Por que a cidadania importa nas instâncias política, civil e social

Entre 8 e 9 de setembro do corrente ano o jornal carioca O Globo publicou três notícias que merecem destaque: “Teatro gastou R$ 2 milhões em obras”, “Corrupção nos Transportes já custou R$ 682 milhões” e “Dilma dá ultimato a governadores: ou é nova CPMF, ou não é nada – Sem opções para custear Saúde, presidente quer maior defesa de criação de tributo”.


A primeira reportagem se refere ao incêndio no teatro Villa-Lobos no Rio de Janeiro, provavelmente em função de uma pane elétrica, que literalmente torrou R$ 2 milhões de reais gastos na reforma. Mais lamentável, este é o segundo incêndio no mesmo teatro e o valor citado foi gasto após o primeiro incêndio.

A segunda notícia aponta para irregularidades, como superfaturamento e pagamento de serviços não realizados, somente no Ministério dos Transportes, que causaram prejuízos de R$ 682 milhões aos cofres públicos.

A terceira notícia realça a pressão que o Palácio do Planalto exerce sobre os governadores para ressuscitar a CPMF com o novo título de CSS (Contribuição Social da Saúde), imposto que, quando de sua existência, foi empregado até para aumentar a poupança para pagamentos dos juros da dívida pública, mas nunca para seu real fundamento: melhorar a saúde pública.

Ora, o Estado, por definição, é incapaz de produzir renda e subtrai os valores financeiros que possui da sociedade, principalmente pela cobrança de impostos, pagos por todos os cidadãos indistintamente.

O que se pretende aqui destacar é a incompetência administrativa e irresponsabilidade social, além da violência cometida contra o princípio da cidadania, quando os fatos noticiados são cometidos.

O incêndio do Villa-Lobos remete à falta de planejamento, previsibilidade e prevenção no manejo do bem público. O acidente noticiado foi o segundo, provavelmente pelas mesmas causas, qual seja, problemas elétricos. Apenas para se ter uma ideia de como o descuido no trato da coisa pública no Brasil é alarmante, a reconstrução do World Trade Center em Nova Iorque, após os ataques de 11 de setembro, inclui pesquisas no desenvolvimento de um novo tipo de cimento, três vezes mais resistente que o anterior, com o objetivo de evitar que eventual novo ataque permita a derrubada do prédio. É difícil acreditar na ocorrência de novo ataque, mas tal fato não é impossível. Por isso os cuidados. Já problemas elétricos, infinitamente mais fáceis de previsão e controle, foram simplesmente dados como improváveis de se repetirem pelos órgãos de controles cariocas. Ou então, não se tem o mínimo respeito pelo cidadão contribuinte e seu trabalho que origina os impostos obrigatoriamente inclusos nos bens e serviços consumidos.

A corrupção desenfreada que assola o País aponta para destruição do princípio da cidadania. Esta não pode significar apenas uma frase inserida na Constituição: A República Federativa do Brasil tem como fundamento a cidadania (art. 1º, II). Mas, se o cidadão não concebe a si mesmo como importante no contexto social, apto e capaz de influir na construção do País onde vive, então tal princípio é letra morta, a exemplo do que ocorre em ditaduras atuais como Líbia e Síria. E é exatamente esse o sentimento que parece imperar na maioria da classe política brasileira contemporânea: o cidadão é, tão somente, o sujeito capaz de financiar, de modo coercitivo, o elevado padrão de vida que dispõem os políticos e os grupos a eles associados. Apenas como exemplo e amplamente noticiado, o aluguel do apartamento do ex-ministro Palocci era de R$ 15 mil, o condomíno de R$ 4.600 e o IPTU de R$ 2.300. Enquanto isso, metade dos brasileiros (CEM MILHÕES DE PESSOAS) vivem com até um salário mínimo (isso mesmo, ATÉ um salário mínimo e NÃO um salário mínimo) e TODOS pagam os impostos que financiam o Estado brasileiro. Em tal contexto, a corrupção ultrapassa os limites do comportamento eticamente condenável para ser tornar instrumento de violência social.

As tentativas de retorno da CPMF apontam na direção de visões que reduzem o fenômeno da vida a bem de mercado. De atributo indissociável da concepção de cidadania, pois somente o cidadão em adequadas condições de funcionamento de suas funções vitais consegue participar e influir na organização social, a saúde é transmutada em bem a ser garantido financeiramente e de forma explícita por cada sujeito . Ao ser exigida contribuição específica, é desprezado o fato de que, dentre os impostos legalmente pagos, está inclusa a parcela referente à manutenção da saúde pública (art. 34, VII; art. 35, III; art. 167, IV da atual constituição). Além do mais, o art. 194 da Constituição de 1988 textualmente estabelece: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (sem grifo no original). Ora, impor a criação de novo imposto, via governadores, é distorcer a vontade popular representada no voto, já que o programa de governo da atual presidente inclui o “aumento dos recursos públicos” para o setor e não o aumento de recursos privados, disfarçados de públicos, sob a rubrica de novo imposto. Parece faltar, neste caso, posicionamento moralmente responsável com a sociedade pois, se os recursos são escassos, que se combata efetivamente a incompetência administrativa e a corrupção na esfera pública, descritas nas notícias acima citadas, transferindo os recursos resultantes para a área da saúde.

Finalizando, não cabe apenas apontar falhas em comportamentos públicos. É preciso que cada cidadão assuma sua parcela de responsabilidade política, cívica e social, pois, se os fatos chegaram ao ponto em que se encontram, é por que, tradicionalmente e por motivos diversos, renunciamos aos pleno exercício de nossa cidadania.

Não basta votar e esperar resultados: o voto é apenas um elemento do sistema democrático. É preciso mostrar aos eleitos o que se espera deles e demonstrar que a natureza de seus cargos não equivale a empregos bem remunerados. Se não têm condições de desempenhar o papel a que se propuseram, que renunciem. A velha e surrada frase “donos do poder” já não encontra lugar em sociedades democráticas, pois pressupõe súditos e não cidadãos ativos.

Também não é factível esperar que qualquer governo, por melhor estruturado e moralmente correto que seja, resolva todos os problemas econômicos e sociais das sociedades complexas contemporâneas, entre elas o Brasil. Requer-se que o cidadão participe ativamente da construção social e no funcionamento das instituições, reinventando a si mesmo, transformando as deficiências e planejando os caminhos a serem seguidos. Tal fenômeno exige a expansão do conceito de cidadania em agente moral, no qual o sujeito racionalmente conhece, age e muda o perfil da sociedade de modo a aumentar o nível do bem-estar geral.

Nenhum comentário:

Postar um comentário