Palestra proferida na Câmara Municipal de Rosário do Sul - RS

Download da palestra proferida em 28/10 na Câmara Municipal de Rosário do do Sul - RS com o título "Como é possível que crianças, que representam o futuro do Brasil, busquem a satisfação de suas necessidades no lixão público?".

domingo, 18 de setembro de 2011

Formulação do conceito de "agente moral"

No estudo de qualquer disciplina dita científica um dos primeiros passos situa-se na configuração do espaço abrangido por ela. Assim ocorre na Matemática, no Direito e mesmo no estudo sistemático da Filosofia.


pintura do artista C. Castro

Na medida que procedemos dessa forma, adotamos o denominado “método científico”, cuja razão de ser não é outra que articular de forma sistemática o conhecimento e permitir que pessoas com as mais diferentes formações culturais, sociais e religiosas possam debater, empregando uma linguagem comum, determinados aspectos do mundo.

Na uniformização da linguagem, os conceitos desempenham papel fundamental. Por expressarem ideias devidamente delimitadas em seus alcances e sentidos, e, por tornarem possível a expressão do complexo por intermédio de combinações sucessivas, legitimam análises de situações pertinentes ao campo objeto de estudo e permitem julgamentos valorativos, como certo ou errado, verdadeiro ou falso.

Entretanto, é comum encontrar-se debates que adotam caminhos alternativos e sujeitam-se aos choques de opiniões, sendo os julgamentos valorativos derivados, no mais das vezes, de crenças que não encontram paradigma de comparação a partir do qual possam ser declaradas verdadeiras ou falsas, corretas ou errôneas. Faltam, nestes casos, critérios de uniformização dos argumentos derivados de conceitos previamente definidos e estabelecidos. E o mais grave, é estabelecida uma espécie de confrontação entre os debatedores, do tipo “nós e os outros”, em que “nós” representa os debatedores que julgam corretos e verdadeiros seus pontos de vistas, e “outros” são pessoas teimosas ou com visões erradas que não conseguem apreender intelectualmente a correção dos argumentos que “nós”, os “corretos”, defendemos. Mas, em nenhum dos lados, conceitos que situem e norteiem os argumentos são apresentados.

Este tipo de fenômeno é comum quando se tomam fatos do dia a dia como pontos de partidas sem que as pré-condições que tornam tais fatos possíveis sejam devidamente avaliados.

Exemplo extremamente comum situa-se no debate dos aspectos éticos advindos da facilidade de acesso à web via internet. Discute-se os “desafios éticos no uso das ferramentas disponibilizadas pela internet” sem que uma compreensão adequada do que seja cidadania, conceito fundamental para a vida em sociedade, esteja estabelecida.

Ignora-se, assim, que desde a Antiguidade Clássica até nossos dias, a concepção de cidadão é, antes de tudo, uma constituição psicológica do indivíduo influenciada pelas necessidades de seu tempo e de profunda conotação moral.

Tal formulação aparece na noção aristotélica de cidadão, que pressupõe a capacidade de liderar e ser liderado (ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martin Claret, 2006), passa por Hobbes e a necessidade de segurança pessoal (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2008) e alcança Rousseau e a moderna concepção de cidadania enquanto liberdade de viver de acordo com leis gerais estabelecidas pelos próprios sujeitos (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Penguin Companhia das Letras, 2011).

Na contemporaneidade, a web, por dissipar as fronteiras geográficas, mudar a noção de distância física e conectar os habitantes de um mundo globalizado, requer a adequada compreensão das três noções de cidadania historicamente estabelecidas: adaptar-se a pontos de vistas divergentes, proteger e manter segura a identidade pessoal e agir civilizadamente de acordo com direitos e obrigações socialmente estabelecidos. Em tal contexto, a web tem tão somente a possibilidade de potencializar e tornar explícitos comportamentos presentes no ambiente social.

A noção de comportamento moral é tão importante na contemporaneidade que é possível vislumbrar-se a evolução da noção de cidadania para a de “agente moral”. Este é o indivíduo imerso no mundo dominado pela tecnologia da informação e comunicação, racionalmente conhecedor das características do ambiente em que vive, capaz de tomar decisões articuladas e fundamentadas e emitir correspondentes comportamentos aptos a influírem, de modo ético, na configuração de seu ambiente social (FLORIDI, Luciano. The Philosophy of Information. Oxford: Oxford University, 2011).

Parece razoável afirmar-se que, no Brasil, existe boa vontade em agir-se de forma ética. Mas falta a capacidade de análise crítica dos próprios comportamentos a partir de uma estrutura conceitual sólida sobre o modo como a filosofia moral está presente no cotidiano de nossas vidas.

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