Palestra proferida na Câmara Municipal de Rosário do Sul - RS

Download da palestra proferida em 28/10 na Câmara Municipal de Rosário do do Sul - RS com o título "Como é possível que crianças, que representam o futuro do Brasil, busquem a satisfação de suas necessidades no lixão público?".

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Agente Moral como expansão do significado de Cidadão

A revista Veja (17 agosto de 2011, página 8) noticiou que o governo britânico está incentivando atividades físicas para crianças com até cinco anos de idade como política pública de combate ao sedentarismo futuro dessas crianças quando na idade adulta.

Este é um importante exemplo de como muitos de nossos hábitos cotidianos derivam de práticas aprendidas na mais tenra idade e se reproduzem pela vida afora. Em termos psicológicos, o conjunto de práticas adquiridas na infância integram o modelo comportamental que norteará o futuro adulto em ações no ambiente social.

Tal fenômeno permite, também, a percepção de quão importante é a presença da educação básica centrada em princípios éticos derivados da cidadania e voltada para o desenvolvimento da autonomia. Alguns autores, como Carl Ratner (Cultural Psychology. Londres: Lawrence Erlbaum Associates, 2006), focam estudos no entendimento da relação psicologia e cultura e propõem uma redefinição conceitual e metodológica da Psicologia como caminho para reformas sociais. Na visão de Ratner, esse é a via para solução dos fenômenos que indicam sérias doenças sociais, dentre as quais podem ser consideradas a exclusão do bem estar de grande número de cidadãos, consumismo desenfreado, falta de sentido da existência, etc.

No Brasil, onde a desinformação e miséria educacional desempenham função social significativa na perpetuação de estruturas arcaicas de dominação social (ver posts abaixo), hábitos longamente arraigados e derivados da tutela estatal (cidadania regulada, ou cidadania do permitido e desejado … sob o ponto de vista do Estado), do patrimonialismo, da corrupção política e do assistencialismo enquanto simulacro de democracia podem ser melhor entendidos sob a esfera da constituição psicológica de determinado tipo de indivíduo que atenda tal objetivo (o tipo médio brasileiro: pobre, sem educação, socialmente marginalizado e, por tais razões, passível de "adoção" pelo Estado e candidado a uma bolsa de ajuda qualquer, sem que as causas de seu abandono social e econômico sejam alteradas).

Obviamente, não se justifica aqui que uma educação deficiente justifique o argumento de, por não ter sido educado sob determinado prisma, o sujeito esteja isento de desenvolver posicionamentos críticos. Embora com maior grau de dificuldade, por, muitas vezes, significar rompimentos com padrões de condutas fortemente arraigados, tal é possível e desejável por intermédio da experiência e de estudos na idade adulta. Mesmo por que, supondo aquele argumento válido, indiretamente se está mitigando a capacidade que permite a cada pessoa procurar e moldar a vida que considera digna para si e simbolizada na autodeterminação existencial (tutela, qualquer que seja seu modo, implica necessariamente ausência da capacidade de escolha).

Mas o que significa, para o sujeito, “moldar a vida que considera digna para si”?

Esta é uma daquelas perguntas que possuem significados diferentes para cada pessoa. Um dos conceitos basilares que norteiam as respostas possíveis se encontra na definição do que seja cidadania. Mas esta definição também se metamorfoseia de acordo com o tempo e lugar em que é formulada. Contemporaneamente, tem sido fortemente associada com a noção de “direitos” (contra quem? A quem cabe a obrigação de satisfazê-los? Em que condições? Em que medida? Em detrimento de quem?), mitigando seu sentido mais amplo (para uma ideia abrangente, consultar
http://www.usp.br/agen/?p=46280 ).

A concepção de “agente moral”, sem a banalização do uso indiscrimando que caracteriza o conceito de cidadania, permite o estabelecimento de pontos de partidas para uma valoração adequada de qualquer resposta possível.

De forma resumida, "agente moral" alarga a noção de cidadania e caracteriza o sujeito:

a) que apresenta razões (ou argumentos adequados e logicamente conectadas) para suas ações (o que, em princípio, supõe um nível mínimo de espírito crítico – ver o post abaixo “Agentes morais e infosfera”);

b) que aceita explicitamente a responsabilidade de viver em uma comunidade (discursos sobre direitos, sem as correspondentes responsabilidade sociais, são palavras vazias);

c) que se engaja no fortalecimento naquilo que se denomina “sociedade civil”, oposição ao todo poderoso Estado tutelador de vontades e modos de vidas.

Talvez o contra exemplo de um “agente imoral” resuma, claramente, a ideia até agora exposta. Esse exemplo encontra-se em Macunaína: o herói (herói?) sem nenhum caráter (sem o questionamento no original), de Mário de Andrade.

Escrito em 1928, Macunaíma representa uma crítica social ao seu tempo que, infelizmente e ao contrário do que, provavelmente, desejava seu autor, se tornou o exemplo inconsciente de parcelas consideráveis da sociedade brasileira - a coisificação do outro, com o egoísmo e interesse próprio (e por que não a corrupção?) como método da ação (não soa estranho, por exemplo, que, mal começa uma administração, já se discuta quem é o candidato potencial ao próximo governo federal, como destacam alguns órgãos da mídia, e não se ouçam protestos indignados contra tais comportamentos?!! Qual o objetivo de uma eleição: escolher o administrador que melhor atenda aos interesses e expectativas dos cidadãos ou desprezar esses cidadãos e satisfazer desejos narcisistas de exercício do poder pelo poder?).

Finalizando, a noção de “agente moral” não sofre as limitações espaciais, temporais e políticas presentes em muitas significações da palavra cidadania.

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